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 A tradição sobre os vampiro


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Os poderes da noite

 Desde o despertar da humanidade que o homem vem praticando o culto do

 

 sangue para comunicar com os espíritos secretos da natureza, para adivinhar

 

 o enigma do universo e pôr fim à angustiante pergunta: «como vencer a

 

morte?»

 

Conta-se que Horácio fez comparecer duas mulheres mágicas para que se

 

invocassem as divindades e se compreendessem as coisas do porvir:

 

«Primeiro dilaceram com os dentes uma pequena ovelha cujo sangue foi

 

preparado numa cova para que viessem ali as almas dos mortos. Em seguida

 

colocaram, perto, duas estátuas, uma de cera, outra de lã. A de cera era mais

 

pequena e subordinada da outra. Esta a seus pés, como que suplicante, apenas

 

esperava a morte. Ao fim de diversas cerimônias mágicas, a imagem de cera

 

foi derretida e consumida».

 

O sangue permitia atrair os espíritos e dar-lhes um rosto, uma forma.

 

Lucien de Samosate descreve os vampiros na sua Histoire Veritable. Dá-lhes

 

o nome de Onosceles, e afirma que estes seres se alimentam, não apenas do

 

esperma mas também da carne e do sangue de estranhos, atraídos pelas suas

 

carícias. A flor do alho não tem qualquer poder contra os vampiros,

 

contrariamente ao que acontece com a raiz de malva que os obriga a, fugir,

 

confessando os crimes que cometeram.

 

«À noite», escreve ele, «chegamos a uma ilha pouco importante, toda habitada

 

por mulheres (pelo menos assim o pareciam) falando a língua grega.

 

Aproximam-

 

se, estendem-nos as mãos e beijam-nos. Adornadas como se fossem

 

cortesãs, todas novas e bonitas, vestidas com túnicas até aos calcanhares. O

 

nome da ilha é Cabalusse, e a aldeia é Hydamardie. Cada uma destas

 

mulheres, como que tomando conta de nós, conduziu-nos a sua casa e deu-nos

 

hospitalidade. Por minha parte, um mau pressentimento tornava-me hesitante.

 

Com um olhar atento, descobri ossadas e caveiras de um grande número de

 

homens. Apetecia-me gritar, pedir ajuda aos meus companheiros, dispormo-n

 

os à guerra preferindo afinal nada fazer.

 

Agarrei unicamente a raiz de malva que trazia comigo, suplicando que me

 

livrasse dos perigos que me ameaçavam. Um instante passado, e enquanto ela

 

se ocupava em me servir, noto que as suas pernas não são iguais às de outras

 

mulheres, pois tem patas de burro. Desembainhe a espada e, agarrando-a,

 

acorrentei-a e obriguei-a a que tudo me confessasse. Resistiu, mas acabou

 

por me dizer que eram mulheres marinhas chamadas Onoscéles, e que

 

devoram todos os estranhos que ali abordam. ‘Nós embriagamo-los (explica ela)

para que se deitem conosco e enquanto dormem, então, degolamo-los’.»

 

Ouvindo estas palavras, deixo-a ainda acorrentada e subo ao telhado onde,

 

com todas as minhas forças, chamo os meus companheiros. Quando chegaram,

 

contei-lhes tudo e mostrei as ossadas conduzindo-os junto da minha

 

prisioneira; eis que, transformada em água, desaparece. Mergulho a espada

 

ao acaso nessa água que se transformou em sangue».[1][3]

 

O sangue torna-se o elixir da vida, o mesmo princípio de vida e de morte.

 

Nada escapa à sua lei. Ele, só por si, contém as origens do homem e do

 

mistério da sua morte. «Os demônios impuros», escreve Hallywell, «em

 

Mélampronéa (1681) sentem prazer em sugar o sangue quente dos homens e

 

dos animais. As feiticeiras oferecem a Satanás uma parte do sangue delas no

 

momento da assinatura do pacto...» Magia noturna, juramento de amor,

 

combate, vitória... nada escapa à lei do sangue. É ele que permite selarem-se

 

contrato, invalidá-los, matar, comunicar com os mortos.

»Salve, Pai dos deuses! Clamam os padres da morte no antigo Egito. Salve vós

os sete Hacthor com os cornos sangrentos a ornamentar-vos! Salve senhores do

céu e da terra! Vinde a mim, e que o casal seja um só, uno no mesmo túmulo,

forte e incorruptível, ligado pelo sangue e água, pelo terror e pela beleza que

descerão vivos a este lugar. Se vós não chegardes a uni-los, eles que estão

prontos a receber o vosso raio, eu Nasha, incendiarei Bousiris e queimarei

Osíris.»

Os sacerdotes do culto dos mortos não temem lançar um desafio aos deuses

supremos, blasfemar para forçar os espíritos do além a manifestarem-se, a

tomar sobre si o defunto para a sua longa viagem noturna.

Toda a história mágica dos homens relata a história misteriosa do sangue, o

seu poder sobre o destino do homem. O homem transporta a obsessão do

sangue através das raças e das civilizações. Podem os homens morrer,

desaparecer os impérios, que a humanidade – a mais que velha humanidade –

não esquece a presença atemorizante do sangue, a sua presença oculta no i

nterior do corpo, o seu mistério. Cada molécula parece dissimular uma

terrível verdade: o próprio segredo do homem e do universo.

Neste túmulo vivo

depositei meu sangue

 

É desta forma que os adeptos do vampirismo acreditam no supremo poder do

sangue. Afirmam que este atravessa o túmulo acordando o duplo, que escapa à

decomposição. E o túmulo torna-se a prova alquímica onde a matéria negra

trava o seu último combate, em que ela se transforma em Maelström[2][4] de

energias vivas, refazendo vida a partir das cinzas.

O vampirismo cultivou sempre a inversão e negação dos valores espirituais do

Evangelho.

Logo que Jesus morreu na cruz, a lança do centurião trespassou o lado e

imediatamente saiu sangue que derramou o espírito de Deus.

É nesta fonte de vida que os cristãos virão beber, para que possam ter o

direito à ressurreição da carne e à imortalidade.

Através do corpo imolado do Cristo, Deus expande-se e integra-se no mundo.

«Se alguém tem sede, venha a mim! Beba quem crê em mim» declarou Jesus

no Templo, em Jerusalém.

A Escritura anuncia: Do seu seio, correrão fontes de vida. É do lado aberto de

Cristo que procede o Espírito e se derrama sobre os homens. No momento da

Eucaristia, o sacerdote lembra as palavras de Cristo: «Tomou o cálice e dando

graças o abençoou e deu aos seus discípulos dizendo: Tomai e bebei todos,

este é o cálice do meu sangue, da nova e eterna aliança, derramado por vós e

por todos os homens em remissão dos pecados». Assim o sangue de Cristo

renova a aliança com Deus, propaga o Espírito e destrói a morte.

A partir dos santos mistérios, os adeptos do vampirismo construíram a sua

crença quanto à incorruptibilidade do corpo, do sangue que renova a vida e

impede a morte, sem nada purificar, conservando as máculas e os miasmas

psíquicos, os instintos da morte, o medo e o ódio... prendendo-se ainda ao

mundo dos sentidos e do prazer.

A obsessão do vampirismo é o medo da morte e a necessidade do mundo

(apesar do túmulo), e recusar morrer e abandonar o corpo. Todas as

patologias estão ligadas para criar assim o monstro noturno, bebedor de

sangue, em rebelião contra a luz.

Na mitologia do vampiro sabe-se que o morto-vivo teme a luz do dia porque

ela poderá destruí-lo, reduzindo-o a cinzas.

Compreende-se assim porque se diz – no culto do vampiro – que a cruz de

Cristo o faz recuar e evita a sua saída do túmulo, pois ela simboliza a luz de

Cristo, vencedor da morte destruidora de cada parcela ou átomo de

obscuridade que transfigura e ressuscita o mundo e cujo sangue derramado l

iberta o Espírito. O crucifixo não é um elemento folclórico para filmes de

vampiros. É a transfiguração face às forças vegetativas da morte.